2017-02-07

O frango que me mostrou o sentido da vida



    Cheguei recentemente à conclusão de que a melhor maneira de nos situarmos, de sabermos quem somos, e em que fase estamos ao certo em determinado momento da vida, não é com horóscopos, signos chineses, ou com Pedros Chagas Freitas. 

- É através do frango. 

   Se repararmos com atenção, e se a nossa família não for vegetariana (se for esse o caso, poderão tentar o mesmo com beringelas, mas acho que não dá o mesmo resultado), o modo como comemos frango permite identificar com clareza não só as fases da vida, como caraterizar a personalidade de um indivíduo. Abaixo fica uma visão pessoal que espero contribua para que o frango possa ser aquilo que verdadeiramente é: um instrumento científico e sociológico de alta precisão.

1. Peito de frango: a primeira infância

    Marca a primeira fase das nossas vidas. Sem ossos a atrapalhar, é usado para as primeiras refeições da criança, e também para as da minha mãe e do meu irmão, que não gostam das pernas nem das asas. Eu e o meu pai sempre gostámos muito de partilhar frango assado lá em casa.

2. Frango assado em festas populares: infância e adolescência

    O olfacto, juntamente com o sabor são, como sabem, os sentidos que produzem as memórias mais duradouras. Podemos não saber definir um sabor, mas sabemos que já provámos aquilo, nem que tenha sido há 20 anos. O cheiro e o sabor do frango assado carregam essa nostalgia. Lembram-nos das festas de aniversário da infância (acompanhados com Pala-Pala) ou das festas populares, já com batata frita verdadeira, ali a pingar óleo Fula, saturado de ser tão bom.

3 . Kentucky Fried Chicken: entrada na faculdade

    Ainda com efeitos secundários de papar muito filme de porrada americano, tardes a fio a absorver a cultura do Tio Sam, fui estudar para Lisboa e descobri que existia um KFC no Colombo. Quando tinha algum dinheiro disponível, havia jantar de gala de frango frito picante com controlo de qualidade duvidoso. O que me valeu nessa fase foi que raramente tinha algum dinheiro disponível.

4. Coxas de frango embaladas: primeiro trabalho

    Já com um local ao qual chamar casa, o par de coxas de frango embalado em palete de esferovite acompanhou bem a dança das primeiras receitas caseiras. São uma espécie de Alunos de Apolo dos frangos: vêm vestidas com um plástico esquisito e brilhante, e por muito que tentemos evitar, reaparecem insistentemente nas nossas vidas.

5. Frango inteiro sem miúdos: a vida adulta

    Há ocasiões em que um gajo tem revelações na vida. A última foi na semana passada no Minipreço da Morais Soares diante de um frango, e bateu-me com força. Tinha no cesto duas paletes de coxas, em desconto. Cada palete por 2 euros. De repente olho para ele e ele se tivesse olhos, olharia para mim com ar sério e carrancudo. Lá estava ele, altivo como só um frango sem miúdos pode ser. Agarrei-o, confiançudo, e li-lhe o preço: 2 euros. Repuz as paletes e meti-o no cesto. 

- Fiquei adulto.

6. Frango inteiro COM miúdos: a velhice

    Um dia vai acontecer. Vou achar-me num talho e considerar boa ideia pedir um frango inteiro com miudezas que aproveitarei para um qualquer almoço de família. Será o frango a mandar-me acinzentar, e é aí que tenho de ter cuidado. Escrevi isto como lembrete, porque julgo ter descoberto o segredo da eterna juventude. 

- Só tenho de me lembrar de nesse dia fugir dali e ir a correr comprar frangos assados.