2008-02-28

Histórias de Encantar - II



Passa por mim no Rossio a 120 à hora. O Sr. Carlos apenas cumpre ordens e sabe que, a ser multado, o Ministério assume toda e qualquer responsabilidade. Ao chegar à Praça do Comércio quase atropelam uma jovem comunista na passadeira. Porquê comunista? Estabeleceram isso os dois, para não ficarem moralmente incomodados com o que poderia ter acontecido caso o Sr. Carlos não travasse a fundo.
"Pronto, Dr. Saraiva, cá estamos. 11h em ponto!"
"Obrigado, Carlos. Às 16h preciso que me leve ao Parque das Nações, ok?"
"Sim, Sr. Dr. Às 16h estou aqui e já com o carro lavado."
Chegado ao escritório do 2.º andar ouve-se a melodia polifónica de um excerto do concerto italiano em fá maior, BWV 971 (1º andamento) de Bach.
"Tou? Querida, bom dia, tá boa? (...) Sim, acabei de chegar... Hoje o trânsito estava ho-rrível. (...) Pois. Ahah. Olhe, hoje vou chegar tarde a casa porque tenho reunião lá na Quinta Palace-Regueifa (...) Não sei... talvez seja melhor deitar-se e não esperar por mim, sabe... é que a fábrica de Bucelas está a ponderar a abertura de falência e... temos que discutir como o vamos fazer. (...) Não, não... Não se preocupe, não há problema com isso. Se a reunião acabar tarde, fico em casa do Alvarez, tá bem, querida? (...) Óptimo."
Do outro lado estava Helena Avillez Saraiva, acabada de acordar. O cenário era o das novelas da TVI: vivenda luxuosa na linha de Cascais, decoração feita por encomenda à Gracinha Morais, que é um amor, etc, etc.
"Tou, Zé Maria? (...) Hoje pode vir ter comigo. (...) Sim, e eu levo aquela lingerie que você adora. (...) Vá, um beijo grande, xau."
No Ministério, Dr. Saraiva assina mais uns despachos e olha para o relógio.
"São horas de almoçar."
O vinho é Pêra Manca, tinto, de 91. Dividido com o Eng.º Telles, para a conta não ficar exagerada.
"Olhe lá, ó Saraiva, a que se deve a comemoração?"
"Comemoração? Quê, por causa do vinho?"
"Claro, então, alguma coisa deve haver para estarmos aqui a beber Pêra Manca..."
"É que hoje, além de ser sexta-feira... Vou finalmente dormir com a Tuta, aquela boazona do ginásio."
"Mas... Ela não é... hmmm... É, não é?"
"O quê, puta? Claro que é, mas é cá um canhão... Olhe, aposto que vale bem os 1500 euros"
"1500 euros!?"
"Sim, acha caro?"
Ao dizer isto, Saraiva fazia sinal ao rapaz para trazer a conta, enquanto articulava com a boca - mas sem som - a frase "era a conta". E pagou tudo.
Às 16h entra no carro e é levado ao Parque das Nações. O Sr. Carlos sabe que aquilo não é um serviço para o Ministério, mas já está habituado a levar o Dr. Saraiva ao ginásio. Sabe também que os 100 euros que recebe de gorjeta todas as sextas-feiras dão muito jeito. O que ele não sabe é o que acontece depois...
Dr. Saraiva entra no balneário, e qual super-homem, despe o fato de fino corte e transforma-se num atleta. O outfit é de atleta. A barriga não.
Passa pelas passadeiras de jogging e dá uma palmada num rabo de mulher. Ela vira-se, pronta a desferir um soco, mas vê o "Fon-Fon" e em vez disso, sorri, dá-lhe um beijo na cara e continua a correr.
Fon Fon vai levantar pesos, ansioso para que aquilo tudo acabe e comece a acção. Passado nem meia hora sai e vai ao parque buscar o seu clássico, um Porsche cinzento, descapotável, de 1962. À saída, Tuta encontra Fon Fon (Afonso Avillez Saraiva para os amigos) em grande estilo, com o seu cu de almofada sentado no Porsche, a olhar para ela por cima dos óculos.
"Que nojo", pensa ela. E entra sorridente no carro.

2 comentários:

Bruninha disse...

Isto vai ter seguimento? Agora tava embrenhada na história... Mt bom.

tiagugrilu disse...

Vai, pois. Não necessariamente esta história, mas o todo que são as Histórias de Encantar. Isto é coisa para durar uns meses até ter um fim.