Se há característica transversal a toda a década de 80 e que perpassou ainda para os anos 90 foi a inclinação da populaça em geral para plastificar e forrar coisas.
Ninguém ousava, por exemplo, andar com o carro sem lhe enfiar capas foleiras que tinham por missão destoar com qualquer tablier de qualquer carro do Mundo. Ninguém. Se os estofos eram de pele era porque eram caros e eram de pele, portanto tinha que se proteger do sol. Se eram de tecido, era porque não eram de pele como os dos ricos e sujavam-se. E isso desvalorizava o carro. Em 7 ou 8 escudos, como se veio a constatar mais tarde, mas desvalorizava.
Ninguém tinha corredores sem passadeiras. Ou alcatifa, que era uma espécie de platificação do pavimento da casa inteira, mas em mais mal-cheiroso. Havia até quem forrasse - pasmem-se os mái novos - as tampas das sanitas. Com pelúcia ou com um material à prova de água, uma espécie de napa mas só para lavabos. Que fique aqui registado que já usei uma. Cor de rosinha. E não era só a tampa, como também aquela outra tampa (como se chamará?) onde nos sentamos para, enfim, obrar.
Forrava-se tudo. Quantas e quantas vezes fui eu castigado e severamente punido por não ter plastificado o cartão de aluno? Porque assim dobravam-se-lhe as pontas e ficava um desleixo. Eu nunca plastificava porque podia-me fazer falta a fotografia para trocar com a de alguma miúda, e isso evitava que eu tivesse que passar pelo drama de ir ao fotógrafo novamente, tirar fotos tipo-passe "cabeça para cima, ombro para a frente, sorri, não mexe Tchleck!" e depois ficava-se na parede dos pega-monstros, que era como chamávamos ao mural que o fotógrafo fazia com as nossas tristes caras borbulhentas.
Mas aquele que para mim é o supra-sumo da plastificação de coisas, muito para além dos clássicos naperons plastificados ou mesmo de sofás inteiros plastificados é...:
- O comando plastificado.
Ousar mudar de canal com um comando nú, despido do plástico que o envolvia e o agasalhava era quase como apalpar as mamas à noiva durante o discurso do padre. Sendo-se o padrinho. Era heresia pura. Sempre me fez confusão ir a casa de pessoas que tinham os comandos embrulhados em sacos de plástico transparentes e colados com fita cola. Cheguei a ter em mãos uma plastificação dessas, mas toda ela feita com um saco branco, opaco, e a dizer Continente. Com um furo na ponta, porque "não mudava muito bem de canal".
Há por aí muito boa gente que hoje em dia já nem tem as televisões que se estragaram, os vídeos que comeram aquela cassete do casamento do mái novo, mas os comandos, esses, hão-de permanecer absolutamente intactos.
O que eu nunca percebi foi o objectivo disto. Preservar o comando para os povos do futuro verem como éramos intelectualmente superiores? Os bacanos que no ano 2580 se meterem numa máquina do tempo e viajarem até 1987 vão ficar maravilhados com o carinho com que se preservava aquela invenção que nos permitia mudar da RTP1 para a RTP2 e vice-versa, as vezes que desejássemos. E pôr mais alto. E especialmente, desligar, quando aparecesse a gaja do "Crime, disse ela".
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34 comentários:
ahahahahahaha, desconhecia esse utilização e agora percebo porque é que os meus comandos estão todos carcomidos pelo passar do tempo! obrigado grilu!
Convém esclareceres os teus leitores que quem se senta somente para obrar são vocês, os xiripitis.
Convém também esclareceres o porquê de uma cobertura rosa cueca de pelúcia na tampa da tua retrete (o outro é o tampo).
Ah, e não te esqueças que há alturas em que se impõe malabarismo sanitário, quando não queres mesmo sentar-te.
Hey, a sanita não era minha!
Tu disseste: "Que fique aqui registado que já usei uma. Cor de rosinha. " E por uma entende-se capa para a sanita. Portanto, tu mesmo afirmas que já usaste uma capa para a tampa da sanita. Não especificas se foi na sanita, mas eu gostava de partir do principio que sim.
Sim. Usei. Não era minha, fui só cagar a casa de uma senhora que tinha uma.
Satisfeita?
- Eu fiquei.
é tão triste qd a casa dos outros se converte em cagadouro alheio...
Queria só acrescentar que além do fanatismo da protecção do chão com passadeiras e alcatifas, havia também a plastificação da passadeira em si, com uns remates de metal a pregar ao chão (protegido).
Bem lembrado, Ana. Acho que a minha tia tinha a passadeira plastificada, agora que falas nisso.
- E os tapetes da casa de banho também.
Qd estava a tirar o raio do curso, vivi num cagadouro... :(
Eu explico melhor: morava num apartamento q ficava mesmo em frente à paragem de bus e com 2 casas de banho. Ora, o pessoal amigo que vinha das aulas de bus vinha sempre apertado e passava sempre por nossa casa antes de ir para a respectiva. Era a casa de banho mais à mão. Chegámos mesmo a considerar a hipótese de começar a cobrar as obras.
os meus pais deixaram a televisão dentro do plástico que vinha com a caixa até bem depois de eu sair de casa.
TODA a televisão?
Portanto, plastificar comandos, para eles, é pra meninos...
E os cadernos e livros?? a mania de forrar cadernos e livros?? até tínhamos plásticos coloridos com bonecos da disney!
Mas a moda ainda prevalece. O papa promulgou-a recentemente e tudo, em prol na humanização da sexualidade.
Sinto-me na obrigação de confessar... ainda não tirei aquela película protectora de ecrã ao meu iPod...
sim! nem imaginas, como ficavam distorcidos os bonecos. só há bem pouco tempo é que descobri que o tom sawyer era de facto uma criança.
Ana, eu costumo deixar a película nos teles novos e nos computs novos, até aquilo descolar ahhahaah! :D
Ana,
És a velhota do comando plastificado dos tempos modernos, sabes disso, não sabes?
- qualquer dia apanho-te a fazer tricot!
E a Laura Palmer? quem se lembra da bela Laura Palmer enrolada em plástico?
A,
E pensavas que o Huck vivia numa árvore, não?
pois é, grilu. a ana apontou, muito bem, que te esqueceste que a plastificação é algo que ainda existe: meias de telemóveis, caixas para as caixas de tabaco, aquelas cenas de silicone para os ipods, ipads, iphones, etc e os preservativos.
o huck não vivia num borrão de tinta castanha?
Mau, mas estás a gozar com quem?!
Vou por-me andar daqui, que tenho ensaio do coro antes do jogo de bingo das 2ªs. E só por causa disso já não há naperon para tapar no jarro da água pra ninguém!
A, macaco de imitação.
vani, isso implicaria que eu lesse o que tu escreves.
Eu sei. Sempre soube que tenho pedalada a mais para ti e que te custa muito perceber o que escrevo. Tens de começar a desenvolver mais esse vocabulário e treinar a expressão escrita...
Diz lá o que é que não percebeste que eu tiro-te as dúvidas.
Vani disse...
E os cadernos e livros?? a mania de forrar cadernos e livros?? até tínhamos plásticos coloridos com bonecos da disney!
Mas a moda ainda prevalece. O papa promulgou-a recentemente e tudo, em prol na humanização da sexualidade.
17:05
até lia se "eu lesse o que tu escreves"
Tanta intimidação, homem! Como é possível uma mera mortal inspirar-te tanto medo assim?
não é medo, eu apenas não gosto de estar aborrecido.
Aqui onde ninguém nos lê, nem sequer tu, podes confessar. Tu tens m-e-d-o. H-o-r-r-o-r. C-a-g-u-f-a. E não sabes ler. Não te preocupes, não conto a ninguém. E mesmo que contasse, ninguém liga ao que eu digo. Queres ver?
-A, gosto muito de ti.
Vês?
Ninguém liga, nem acredita.
bem, hoje teve um dia um pouco cinzento, ainda assim não foi mau.
Em primeiro lugar, Grilu Homem, obrigada, a sério!
Brilhante texto que nos soube a pato :)
e ainda não bebemos o vinho todo.
A minha irmã quer saber se estiveste em casa da minha mãe e na do meu cunhado mái novo. Ela agradece também a palavra "escudos", pois já nem se lembrava de como se escrevia.
O meu pai, homem sábio, quando lhe demos cabo do precioso comando, em vez de comprar outro, passou a dar novas tarefas às filhas.
Ele bem dizia: "comando para quê? Tenho cinco filhas em casa!"
as coberturas para tampa de sanita eram um perigo, toda aquela electricidade estática perto do rabo...
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