2007-11-16

Moto-Ratos do Campo


Já há uns tempos tinha aqui falado da importância das motorizadas de 50 cc na História Contemporânea do Chamado Portugal Profundo, mas hoje voltei a ter a nostalgia do som de "bater de panelas" daquelas motas do demo.

Hoje venho falar-vos da problemática de "kitar" uma cinquenta e dos seus derivados.

- É já bem sabido que o barulho destas motas não é proporcional à sua rapidez. Uma 50 cc anda no máximo a 100 Km/h e como é óbvio, a alma de campeão das duas rodas do matarruano pede algo mais. Para resolver isto, grunho que é grunho "kita" a sua mota. Ora o que é isto de "kitar"? Consiste em modificar o motor, instalando um "kit" que aumenta a cilindrada e potência para 75 cc ou 80 cc , passando a caranguejola a andar a 120, 130 ou a 140 km/h. Estes "kits" - específicos para cada marca - vêm numa caixinha que não tem livro de instruções nem de contra-indicações, no entanto qualquer labrego sabe - empiricamente, claro - que corre o risco de "colar" a mota. Já lá vamos...

Primeiro, um exemplo prático:

Zé, um eterno insatisfeito com a prestação da sua Sachs Fuego, ouve dizer no café que a mota dele é das melhores para ser "kitada", porque fica "a bombar comó caraças".


Posto isto, arranja um trabalho aos fins de semana, para juntar os 50 contos. Assim que o consegue, monta-se na Sachs Fuego, vai até à oficina e diz "É hoje, cáralhos ma fodam!". O mecânico, ouvindo tão divinas palavras e sem mais perguntas, vai ao armazém buscar uma caixinha de cartão com o poderoso e impressionante "kit". Para comemorar o acontecimento, Zé vai adquirir 16 minis para beberem os dois enquanto a máquina é "kitada".

Passadas 2 horas, o mecânico "dá ao Kick" e... a mota não pega. Mais umas afinações e tenta de novo e ouve-se um profundo...: Trrrrrétééététeé-té-trrré, muito mais forte do que antes. "Está pronta", diz o mecânico orgulhoso, "Vai lá «acelarar» a ver se ela anda como deve ser". Zé, radiante, enfia o "penico" na cabeça, arreganha a fateixa (ri-se, mostrando os seus bonitos dentes. Mesmo lindos, tanto um como o outro.), mete um cigarro ao canto da boca, e arranca a "sacar cavalo" e espalha-se logo ali à frente da oficina. - "Eh cáralho!!! Tá cá c'uma força... até dá coices, a mula!!!".
Levanta a mota do chão e lá vai pelos caminhos de terra batida fora, durante uns bons 20 minutos, sem nunca deixar de se ouvir o ronco do motor, mesmo a 5 km de distância.

Eis que volta, com o capacete a descair para a nuca, de tanta velocidade, e a beata do cigarro apagada, mas ainda ao canto da boca: "Bateu os 130 km/h, pá! - encostou o conta-quilómetros ao fundo!". Paga a dívida e mais umas 20 minis e vai dar umas voltas. Resolve voltar à oficina e por uma "panela e uma ponteira de rendimento", para ver se chega aos 140 km/h. Coisa rápida. Passadas as 20 mini sagres, Zé volta para casa, ao volante da sua poderosa máquina.

"Qual é a graça disto?", perguntam vocês. E em boa hora o fazem. A graça disto ainda está por vir: passado um mês, a tragédia:

Zé espeta-se contra uma oliveira na recta do campo da bola. Fica todo partido, coisa que obviamente não o impede de ir ao café ver o Benfica, ainda com as calças rotas do acidente rodoviário. Aproxima-se um nobre grunho e manda o bitáite: "Atão Zé, a mota andava demais para as tuas unhas?". Zé, triste, de mini sagres na mão e sem tirar os olhos da televisão responde "Colou, pá...", ao que o amigo exclama "Colou!!!? - iiih, como é que foi isso?" "Ia a 140 à hora ali na recta do campo da bola e o motor colou... Não tive hipótese... E olha, o que me valeu foi a oliveira, senão ia ter à ribeira e batia com os cornos na azenha do Ti Manel"

Analisemos então o chamado "colanço":

Pois é, nem tudo é perfeito... Todas as motas kitadas de que tenho memória acabaram sempre por "colar", ou seja, o motor aquece tanto que derrete e "cola", bloqueando imediatamente a roda de trás, o que geralmente acontece à velocidade máxima. A pergunta que se impõe é: se toda a gente sabe disto, porque é que continuam a "kitar" as motas? Será pela adrenalina de nunca saberem bem quando é que vai colar? Porque vai.

Além dos "kits", existe ainda uma outra maneira de por uma mota a bombar, bastante usada nas "competições" caseiras, onde se aposta uma grade de minis: pôr bolas de naftalina "na mistura", ou seja, na gasolina. Isto consegue ser ainda mais estúpido do que a solução anterior: bem mais económica a curto prazo, esta "experiência científica" dá resultados imediatos, fazendo a mota "voar baixinho" durante... uns 10km... Depois pára. Para sempre... Mas ganha-se a grade de minis. E desengane-se quem pensa que estes tipos são os burros da aldeia, esses são outros, aqueles que caem na conversa de "experimenta a pôr areia na mistura, pá, vais ver a mota a bombar".

...Ou aquele gajo de Bragança (que apareceu no Telejornal) que há três anos atrás, numa noite escura, depois de atestar o depósito resolveu verificar se este estava realmente cheio, e para isso acendeu um isqueiro... E pela explosão, viu ele e toda a gente das redondezas que o depósito estava efectivamente cheio. Por incrível que pareça, ficou apenas com queimaduras ligeiras...

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