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Tive a sorte de crescer numa aldeia onde com 7 anos se podia aparecer em casa com 2 dentes na mão e a bicicleta toda partida; ou com um hematoma na testa, um guarda-chuva torto e os raios da bicicleta partidos. Em grande parte, as histórias da minha infância acabavam com a bicicleta no mecânico.
Mas o capítulo da minha aprendizagem com os chepos nada tem que ver com isso, até porque eles não tinham bicicletas. As que lhes davam de vez em quando duravam uma manhã. À tarde já andavam sem pneus a trilhar o alcatrão e a caírem com os queixos no chão. Em compensação, os chepos eram uma quantidade quase incontável de irmãos meio aciganados, todos com uma pancada na cabeça de se lhe tirar o chapéu.
Havia pouca gente no local, mas aos fins de semana juntavam-se aos 2 ou 3 putos residentes (eu incluído) os primos de cada um. Eram dias de combate: quer a jogar à bola, quer a andar à porrada, quer a partir cabeças à calhoada. Lembro-me perfeitamente de ter dado nome à competição: "Normais contra Chepos".
Um dia, depois de ter chovido, decidimos ir para uma zona onde em tempos tinha existido uma exploração de argila. Assim, depois de abandonado, o local parecia-se com o
grand canyon (ou assim imaginava eu), e com munições à borla: bolas de barro.
A ideia era ficarem os normais de um lado de um vale e os chepos de outro. Assim fizemos. Quando já o Nuno se preparava para atirar uma bola de barro do tamanho de uma bola da Fifa, dou conta do seguinte: "Epá, pára tudo... Há mais chepos do que normais, não é justo..." e depois de alguma negociação, o André começa a descer a ravina que separava as duas facções e sobe para a do nosso lado.
- Digamos que nesse momento ficou "normal".
Depois de uma intensa batalha, as munições começavam a escassear. Da enorme jazida de argila, restava apenas uma poça de água com calhaus. A nossa mais recente contratação decide aproveitar recursos: pega numa pedra bem bicuda, envolve-a com barro, faz uma bola e arremessa-a com toda a força, direitinha à cabeça do irmão mais novo, acabando ali com a Grande Guerra a favor dos "normais". Acabou, porque o puto começou a perder sangue de uma maneira assustadora e corremos a ajudá-lo, em pânico.
Vira-se o André e diz, com um ar relaxado: "Calma..." e pega numa mão-cheia de barro, faz uma bola humedecida com água e... PAFFFFF! na hemorragia do irmão.
Resultado: Passados 15 minutos o sacana do chepo estava com uma mão a segurar o "curativo" e com a outra a atirar calhaus ao irmão.
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