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Apresento-vos a minha escola. É tão pouco fotografada, que tive que ir sacar uma imagem ao Google Earth. Isto, só para verem quem é o bicho do mato que está aqui deste lado.
É com um estranho amargo de boca que constato que não vou para novo.
- E pior: qual Zézé Camarinha, não confio na juventude e acho até que está perdida. E atenção, digo isto enquanto cofio o meu bigode aqui à beira da piscina acompanhado desta cámone em fato de banho esquisito, que parece saída dos anos 80.
A história que estou prestes a contar é do tempo em que ninguém em Portugal sabia o significado da expressão
bullying. Sentem-se aqui no meu colinho.
"Era uma vez, há muito muito tempo atrás, na era em que os telemóveis tinham um fio ligado à parede e faziam
trrrrrrim mesmo com campaínhas a sério lá dentro e tudo.
Grilo andava no 10.º ano, tinha o cabelo comprido e camisas de flanela. E o pior é que achava isso fixe. Deus ainda não tinha inventado o Mp3, por isso ele carregava o seu
walkman mais as 17 cassetes de Nirvana, Doors, Soul Asylum, R.E.M. e umas quantas que tinham escrito Vários 1, Vários 2, Vários Hard, Vários Soft. Mais tarde, percebeu que tinha demasiadas cassetes com o nome "Vários".
Às quartas feiras, a guitarra acompanhava os 7Kg de livros carregados para a escola. Depois de tocar o
come as you are matinal, Grilo ia à aula de T.L.Q. essencialmente para atirar papéis mascados para o tecto (
papié-maché au tecte), destruir com "Vermelho do Congo" e ácido sulfúrico as plantinhas dos colegas da outra turma, e para aprender com o Marco Assassino mais uma maneira de ser mandado para a rua. Coisa que acontecia sempre, inevitavelmente, mesmo que o desgraçado não tivesse culpa. Desta vez, enquanto se falava de química orgânica, Marco Assassino descrevia como tinha queimado as sobrancelhas com uma lata de perfume em chamas:
Como aquilo não ateava, eu acendi o isqueiro e virei a lata para ver se estava a meter a chama no sítio certo e aquilo PRÔÔôoÔ!!!! mesmo na minha cara, e eu "FODA-SE, CARALHO!!!". Este foi aquele momento em que 27 pessoas se calam de repente e ficam a ecoar na sala aquelas duas belíssimas palavras.
A seguir, não houve aula. Nenhuma, até ao fim do dia. Seis horas são claramente demasiado tempo livre, especialmente numa terra onde as principais diversões são o rally das tascas em aguardente bagaceira 4x4 e os amassos na relva do jardim público. O que pensando bem, nem era nada mau, mas nesse dia apetecia algo... Diferente.
E vira-se o Grilo:
Lembram-se de na semana passada ajudarmos o professor Zé a tirar o carro que estava entalado pelo da gaja do Conselho Directivo?E diz o Pedro Sílvio (Pedro Silva, na verdade, mas com os copos ele dizia Pêd'Sílvio e pegou.):
Ya! Levantámos o carro com uma pinta do caraças.E lembra o Chicharro:
Tá bem, mas era um mini...E o Grilo:
Sim, mas éramos 4. Hoje estamos aqui 14... Bom, o Jorginho não conta... Mas estamos aqui 13!E o Jorginho: Óh Grilo, pááááá...
E o Grilo:
Bora lá experimentar a tirar dali o carro do prof. de T.O.!E foram. O carro era um Clio, o que fez com que ficasse estacionado a cerca de 20 metros do lugar original. A seguir, um Opel Corsa e um Citroën AX ficaram frente a frente, tapados por um Peugeot daqueles pequeninos, de um lado e por um Golf, do outro. A carrinha do prof. de Educação Física era bem mais leve do que parecia, pelo que ficar estacionada atrás de um arbusto foi uma coisa natural. Ao todo foram estacionados cerca de 20 automóveis em estilo
freestyle, o que deu um resultado estético parecido com um Pollock, mas com apontamentos do Impressionismo.
Impressionados, ficaram os professores com a confusão que foi para conseguirem resolver o quebra-cabeças. Era uma espécie de Sudoku, mas com carros.
E os meninos da história, foram apanhados? Claro que não. Porquê?
- Porque meteram as próprias motas em cima dos bancos de jardim e foram fazer queixa ao Conselho Directivo de que "alguém andou a tirar carros e motas do sítio... Não há direito, professora."
E foram felizes para sempre."
Agora saiam-me do colinho, que isto parece um bocado esquisito e a minha namorada não vai achar graça.
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